Do 'New York Times'
Enquanto Ronaldinho, um dos melhores jogadores do mundo, surgia do vestiário com o uniforme rubro-negro e balançando seu característico rabo de cavalo, os torcedores do Flamengo irrompiam em aplausos. Mas um grupo deles, todos sem camisa, voltava seus olhos para outra pessoa, que estava em um camarote no alto, e cantavam:
- Pa-trí-cia! Pa-trí-cia! Nós te amamos!
Patrícia Amorim, presidente do clube mais popular do país, o Flamengo, corou e retribuiu com um breve aceno.
Foi um momento de esperança para Patrícia, uma ex-nadadora olímpica, depois de um péssimo ano como a primeira mulher a comandar o clube de 115 anos.
No ano passado, a polícia acusou Bruno Fernandes das Dores de Souza, goleiro titular e capitão do Flamengo, de ter assassinado uma ex-amante que dizia ter tido um filho seu. Outra estrela do time, o atacante Adriano, lutou contra o alcoolismo e foi questionado sobre possíveis vínculos com traficantes de drogas.
A sequência de acontecimentos, aparentemente fora do controle de Patrícia, pintou um retrato de um clube sem disciplina - o que alimentou noções sexistas de que uma mulher seria incapaz de gerenciar um time de futebol, especialmente um com 35 milhões de torcedores.
- Ela teve todo o azar que poderia imaginar - disse Ruy Castro, jornalista que escreveu "Vermelho e o Negro", sobre o Flamengo, além da biografia de Garrincha.
Rumores de que membros do clube queriam derrubar Patrícia começaram a circular na imprensa assim que o Flamengo - que ganhou o campeonato brasileiro em 2009 - começou a perder jogos e ter dificuldade para encher estádios.
Aos 42 anos, com experiência no esporte, Patrícia procurou não amaldiçoar seu inferno astral:
- Às vezes pensamos que algo é tão horrível que não há luz no fim do túnel. Mas você também pode ter a sorte de passar por tudo e virar o jogo ainda mais rápido.
Patrícia passou a vida tentando escalar a cultura conservadora e machista do Flamengo, cuja origem está no remo mas que se ramificou em outros esportes, inclusive vários olímpicos. Ela chegou ao topo rubro-negro em dezembro de 2009, quando os sócios do clube a elegeram, surpreendentemente, como presidente.
Patrícia cresceu a apenas algumas quadras da comprida mas envelhecida sede do Flamengo, no bairro da Gávea, Zona Sul do Rio. Seu pai é baixista de jazz e bossa nova. Sua mãe era professora primária.
A natação foi, desde cedo, sua obsessão. Quando ela tinha apenas 3 anos, um médico recomendou que sua mãe matriculasse a irmã mais velha Paula na natação para tratar de uma asma; Patricia entrou junto.
Apenas dois anos depois, acompanhada de um instrutor e de um barco salva-vidas, Patrícia atravessou a nado a Baía de Guanabara. - Ela não estava nem um pouco assustado - disse a mãe, Tânia Amorim.
Uma foto desse dia está emoldurada na parede do escritório de Patricia Amorim no Flamengo. Nela, a nadodora mirim aparece de roupão ao lado de nadadores com quase o dobro do seu tamanho.
Deborah Frochtengarten, amiga de longa data e colega de piscina, lembrou-se dela como alguém que queria provar alguma coisa. - Ela não era tão alta, ela não era tão forte. Mas ela era a primeira a chegar à piscina e a última a sair.
Patrícia ainda era uma adolescente quando se classificou para os Jogos Olímpicos de 88, em Seul, na Coreia do Sul, ficando com o 11º lugar no revezamento quatro por cem. Ela ganhou 28 títulos no Brasil antes de se aposentar, em 1991.
Enquanto trabalhva e treinava no Flamengo, Patrícia desenvolveu o gosto pela política e foi eleita vereadora pelo Rio em 2000. Hoje ela está em seu terceiro mandato. Ela e o marido, Fernando Sihman, economista e ex-jogador de vôlei que ela conheceu em uma competição em Israel, têm quatro filhos[ e contam com o apoio de suas famílias para ajudar.]
Apesar de sua carreira política, o mundo do esporte e o Flamengo sempre foram suas paixões prioritárias. E em 2009, ela foi apoiada por Hélio Ferraz, ex-presidente do Flamengo, em sua candidatura ao comando do clube.
- Sua hora tinha chegado - disse Ferraz, atual vice-presidente do Flamengo. - Ela é um ícone do Flamengo, tem juventude e simpatia, e ainda trouxe com ela uma nova geração de executivos profissionais.
Mas por causa de suas origens em um esporte olímpico e por ser mulher, alguns membros do Flamengo se mantiveram céticos sobre sua perspicácia na área do futebol.
- Como eu disse a ela, o problema no Brasil é que todo mundo entende de futebol, mesmo. E, assim, todo mundo tem uma opinião - disse Ferraz.
Essas dúvidas e preconceitos cresceram em junho, quando o goleiro Bruno foi preso por causa do desaparecimento de sua ex-namorada Eliza Samudio, de 25 anos, em um caso de repercussão nacional.
- Isso afetou a equipe e os torcedores - disse Patrícia Amorim. - As pessoas realmente não iam aos estádios. Foi um momento triste para o Flamengo.
As preocupações sobre o comportamento de Adriano contribuíram para o desespero da torcida.
A presidente do clube disse que tentou "botar a casa em ordem", buscando inspiração nos livros de outros líderes, como "A Audácia da Esperança", de Barack Obama. Quando ela deu as mãos jogadores da equipe de juniores do Flamengo instantes antes de uma partida em janeiro, Patrícia falou sobre a diferença entre o "sonho e realidade".
A distância entre as duas coisas, segundo ela, "é o que chamamos de confiança."
No final, os rumores de impeachment não se concretizaram. O time de juniores acabou vencendo o campeonato, a presidente deixou muitos torcedores animados ao contratar Ronaldinho.
Ela guiou as negociações pelo craque de maneira cautelosa e discreta, encontrando-se com Ronaldinho três vezes, mantendo o assunto longe dos jornais e cortejando o irmão do jogador, que atua como empresário do jogador.
- Se o Flamengo ganhar dois ou três títulos importantes este ano, é possível que ela entre para o grupo dos nossos maiores presidentes - disse o jornalista Ruy Castro.
Como Ronaldinho entrou em campo este mês, não havia torcedores pedindo para Patrícia "voltar para a cozinha" ou "cuidar da casa e das crianças", como, segunda ela, era frequente no ano passado.
- As pessoas subestimam você - disse ela. - Agora, eu acho que eles já não estão me subestimando.
fonte do texto: http://oglobo.globo.com/esportes/mat/2011/02/26/perfil-de-patricia-amorim-mulher-que-de-fora-dos-campos-domestica-os-torcedores-923890015.asp
fonte das fotos: http://euteajudo.net/fotos-patricia-amorim-presidente-flamengo/