Ex-presidente diz não acreditar mais que a repressão resolva o problema
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem se mobilizado pela descriminalização das drogas, disse nesta quinta-feira em Nova York que aprendeu, desde o fim de seu mandato, que a repressão não resolve o problema do consumo e do tráfico de drogas.
“Eu acreditava que, com a repressão, com a erradicação, seria possível diminuir (o consumo e tráfico). Não diminuiu. Eu fiz também algum esforço de educação, mas comparativamente era muito pouco. Eu aprendi. As pessoas mudam quando aprendem. Então acredito que se deve fazer com que as pessoas se informem melhor para mudar sua mentalidade e isso se dá em debates como o que estamos fazendo aqui no nível da sociedade”, disse FHC.
Ele viajou à cidade americana para apresentar um relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, grupo do qual faz parte.
O relatório, que contém recomendações aos governos sobre como lidar com os problemas sociais decorrentes dos entorpecentes, afirma que a "guerra global" contra as drogas falhou em seu objetivo e defende a adoção de medidas como a criação de mercados regularizados para conter o crime organizado.
FHC pediu “debates no Congresso, nos governos e nas Nações Unidas” sobre o tema e disse que conversará nesta sexta-feira com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
“Se a política (de proibição) fracassou, ela deve ser mudada. Não estamos dizendo que as drogas não fazem mal, claro que fazem mal – assim como o cigarro e o álcool. Estamos dizendo que se o usuário de drogas é um dependente, deve ir ao hospital e não à prisão”, declarou.
O ex-presidente também defendeu um mercado regulado para a maconha, citando os exemplos do cigarro e do álcool.
“Os cigarros não são somente regulados, como também são objetos de uma campanha muito forte de desglamourização. O acesso à maconha se dá pelo mercado negro e o usuário é obrigado a encontrar o bandido. O bandido, por sua vez, o induz a drogas mais fortes. Então, por que não fazer o mesmo com a maconha? Se cada família, cada empregador, cada veículo de imprensa se abrisse para o debate, as pessoas poderiam ampliar o seu conhecimento e ter uma posição mais independente.”
Marcha
FHC criticou também a repressão à Marcha da Maconha, em 21 de maio, em São Paulo. Durante a marcha, a tropa de choque da PM prendeu manifestantes e disparou balas de borracha, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e gás pimenta contra o grupo de cerca de mil pessoas.
“Acredito que foi uma decisão equivocada (reprimir o evento), mas, como foi feita pelo sistema judiciário, deve ser respeitada. Para mim, não faz sentido qualificar uma manifestação pela mudança da lei como algo contra a lei.”
Sobre a possibilidade de uma aliança entre setores de vários partidos como o PT, PMDB e PSDB para discutir a legalização da maconha, Fernando Henrique disse que essa “não é uma questão política ou eleitoral”.
“Essa é uma questão social. Ela deve ser discutida pela sociedade civil para influenciar pessoas em partidos diferentes. E acho possível (a formação de uma aliança). Um membro do PT (o deputado federal Pedro Teixeira, de São Paulo) propôs a regularização (do plantio da maconha), e se trata de uma posição consistente no governo”, explicou.
“Eu mesmo tenho conversado com pessoas do governo sobre o assunto, e nunca o colocamos em termos de partido. Minha intenção não é convencer o meu partido, mas convencer pessoas no meu (e em outros) partidos. E se essa questão for levantada durante um debate de candidatos, é melhor ser claro e dizer o que se pensa.”
O ex-presidente acredita que cada país deve ter a liberdade de experimentar estratégias específicas para seus problemas.
“Na Europa é mais fácil abordar isso só como um problema de saúde. Na América Latina, não é apenas um problema de saúde, mas também um problema de gangue, de armamento, de tráfico de armamento, de violência e de controle do poder local por traficantes. É mais complicado, e o governo tem que ser muito mais ativo na luta contra esse tipo de guerra.”
O ex-presidente brasileiro admitiu, porém, que é preciso “cautela” no debate sobre a legalização dos entorpecentes.
“Aqui (nos Estados Unidos) há uma oposição: ou se proíbe ou se legaliza. Mas é difícil defender legalização porque parece que (as drogas) não fazem mal. Sim, fazem mal. E se fazem mal devem ser regularizadas”, declarou.
“(Outro problema é que) se dissermos que é legal, pode-se também produzir. E isso levanta mais questões. Não é por medo que não falamos sobre legalização. No caso da maconha devemos discutir formas de regularização. E sempre sobra o problema de quem a produz. Não é fácil solucionar isso. Então estamos sendo cautelosos, não por medo, mas para abrir espaço para experimentações distintas.”
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